Muito além de um dilema das redes, um dilema ético

22/10/2020 - AUTOR: Tatiana Anchieschi Gomes Mazzei**

 

Antes de mais nada, me responda: você paga para utilizar suas redes sociais? Não, você não entendeu errado. Este é um questionamento meu sobre se você efetua algum tipo de pagamento para usar sites e plataformas tecnológicas como Google, Facebook, Twitter, Instagram e tantos outros que tomam parte do seu dia-a-dia, seja para produzir postagens sobre sua vida pessoal ou profissional, seja para acompanhar notícias, ou então para dar aquela espiada no que seus amigos andam fazendo de bom.

Tenho quase certeza que a sua resposta foi NÃO. Creio até que alguns mais indignados dirão: CLARO QUE NÃO, IMAGINA!Então, tenho uma notícia meio chata para te dar. Você está completamente equivocado. Você paga e paga bem caro, sabia?

Você pode não estar abrindo a carteira e inserindo os números do seu cartão de crédito como fazemos muitas vezes em um site de e-commerce, ou então para adquirir uma assinatura de algum portal de serviço, mas saiba que está pagando com algo muito mais valioso e muito mais interessante para estas gigantes de tecnologia: os seus dados. Ou seja, o novo petróleo. Está dando a eles todas as informações sobre você, que vão desde sua data e local de nascimento, até por onde anda, com quem anda, com quem fala e o que gosta. E não para por aí, viu?

Se você ainda não assistiu este documentário dirigido por Jeff Orlowski e escrito por ele juntamente com Davis Coombe e Vickie Curtis, então te recomendo fortemente que o faça. E o faça com a devida atenção merecida para que possa compreender com exatidão a gravidade do assunto.

Sem qualquer tipo de spoiler, saiba que haverá, de sua parte, perplexidade ao ouvir da boca de muitos profissionais, que vão desde CEO’s até designers éticos (sim, existe esta profissão!) que atuaram nestas gigantes da tecnologia e abandonaram seus cargos, justamente em função da não concordância de como tais empresas agem.

Claro que não somos ingênuos por completo e que sabemos que de alguma forma nossos dados são utilizados como moeda de troca para que anunciantes possam localizar seus prospects e gerar leads, oferecendo seus produtos e serviços com muito mais assertividade e não há nenhum mal nisso. Afinal, quantas vezes não recebemos em nossos devices tais como laptops, tablets e smartphones ofertas interessantes sobre justamente aquilo que estamos buscando.

Que mágica é essa? Como sabem que eu preciso disso? São algumas das perguntas que ficam. Isso porque muitos dados, muitos mesmo, alguns até desnecessários para nos alcançar como consumidores, mas que são dados relevantes e sensíveis sobre nós são coletados e é justamente aí que mora o perigo e porque precisam saber ou coletar isso? Para que necessitam deste tipo de informação? Essas são algumas das perguntas que devem ser feitas cada vez mais por todos nós – os usuários destes serviços tecnológicos.

Não haveria problema algum em produzir tal coleta, desde que ficasse evidente e claro, qual o objetivo, bem como o uso e direcionamento dado às nossas informações. Mas não é isso o que acontece.

Além disso, devemos assumir o ‘mea-culpa’, pois temos também responsabilidade neste processo, por duas razões mais evidentes: a primeira é utilizarmos aplicativos e serviços de tecnologia em nossos diversos ‘gadgets’ sem nem ao menos passar os olhos nos contratos de uso inerentes. Saímos dando “I agree” (eu concordo) em tudo, sem o menor cuidado. E a segunda envolve o fato de respondermos perguntas, darmos check-ins, entre tantas outras informações nossas, de forma gratuita e alimentada por nós mesmos - os usuários – para as empresas detentoras dessas soluções tecnológicas.  O único esforço delas é a coleta, processamento e o armazenamento dos dados.

Neste ponto, a implementação recente da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados, mostra-se importante e necessária. Não há problemas na coleta de dados dos usuários, desde que todos nós saibamos quais destas informações estão sendo coletadas, trabalhadas e repassados e que tudo isso seja feito com nossa devida autorização. A questão envolvida nesse processo é a total transparência e honestidade em todas as fases da relação mantida com o usuário.

Há a necessidade, principalmente, da proteção dos chamados dados sensíveis, que por inúmeras vezes são coletados, porém sem qualquer tipo de utilização, mas que no caso de um vazamento pode redundar prejuízo à privacidade e segurança do indivíduo.

Tais experiências digitais diárias vivenciadas por nós e que aparentemente soam como banais, tais como permitir notificações ou então aceitar as publicações sugeridas, são como iscas lançadas para a obtenção da atenção diária e muitas vezes, atrapalhando a produtividade.

Quanto mais tempo estivermos conectados, muito mais informações são fornecidas a cada clique ou interação que fazemos. São informações detalhadas sobre gostos, hábitos dos mais variados e comportamento de consumo.

Tais dados são coletados e organizados através de inteligência artificial (IA), com máquinas avançadíssimas que são norteadas por algoritmos e que vão mapeando ou porque não dizer, fazem uma tomografia completa sobre a nossa vida, analisando o tempo de permanência, o engajamento em alguma publicação, a interação com alguém, entre tantas outras possibilidades. É algo de dar mêdo!

Se nossos dados não fossem algo tão valioso, certamente não haveria investimentos gigantescos em enormes servidores para armazená-los. E pasmem, muitas vezes até em submarinos são armazenados!

É uma máquina potente. Uma engrenagem que funciona perfeitamente e muito bem azeitada, desde que as informações sobre os usuários sejam oferecidas corretamente aos anunciantes, que pagam milhões de dólares para divulgarem seus produtos, serviços e ideias a pessoas que executarão as ações pretendidas por eles, gerando assim um complexo e lucrativo círculo vicioso.

E quanto mais tempo, estes usuários permanecerem interagindo, será melhor e mais efetivo o resultado, afinal ao saber mais sobre eles, mais efetivas serão as ações ofertadas e consequentemente também melhores os resultados.

Se a privacidade não fosse algo tão importante, o próprio Mark Zuckerberg, do Facebook, não utilizaria proteção em seu laptop para acessos de sua webcam. Pois é meus amigos, há algo de muito podre no reino da tecnologia.

E o principal disso tudo, é não só o apoio a LGPD, como também a ampla discussão sobre os dilemas éticos que tudo isso já exposto envolve.

Claro que com o advento da tecnologia, hoje é muito complicado ficarmos off line, visto que nosso aparelho celular é parte do nosso cotidiano pessoal e profissional. Não podemos mais viver sem a presença das TICS e seus variados utilitários, aplicativos e sistemas. Mas é importante ter a consciência da capacidades envolvidas por tráz dessa poderosa infraestrutura tecnológica.

O documentário ‘Dilema das Redes’ nos faz repensar a utilização, muitas vezes obsessiva que fazemos dessas ‘novas’ mídias que são as redes sociais virtuais, e que isso gera, como consequência, a dependência das pessoas em relação à tecnologia, permitindo que empresas e políticos se aproveitem disso para manipular nossa forma de pensar e agir.

Para nos protegermos, seguem aqui algumas das dicas liberadas pelo canal de tecnologia do portal IG, para que possamos minimizar os dados e a manipulação de nossas informações e dados nestes sites e redes sociais.

  • Entenda o seu uso: repare quanto tempo você passa conectado ao celular e às redes sociais por dia. Esse pode ser um pontapé inicial para começar a mudar o espaço que as tecnologias têm na sua vida;
  • Desligue as notificações: estudos sugerem que cada pessoa recebe cerca de 63 notificações por dia no celular. Desligá-las vai fazer você se conectar apenas quando quiser, e não quando seu celular está te chamando;
  • Crie limites: estipule quanto tempo você deseja passar em determinados aplicativos e determine locais e ocasiões nos quais você não vai usar o celular (como na mesa de jantar ou antes de dormir);
  • Desligue sua localização: a localização é um dado que revela muito sobre você (como onde você mora e trabalha) e, talvez sem perceber, você pode ter permitido que muitos aplicativos a acessem. Por isso, vá nas configurações de cada app e desabilite a coleta de localização. Outra opção é apenas desligar a localização do celular (que geralmente fica na barra de acesso rápido) enquanto não estiver usando o GPS;
  • Delete aplicativos: se desfaça dos apps que você não usa muito ou que não são essenciais. Isso vai te dar mais tempo livre e diminuir a coleta de dados pessoais;
  • Desmarque suas fotos: desmarcar seus amigos das suas fotos em redes sociais e se desmarcar das fotos dos demais ajuda a diminuir o cruzamento de dados, tornando o algoritmo menos manipulador;
  • Configure seu navegador: use as configurações do seu navegador para evitar que seus dados sejam coletados o tempo todo. Uma opção é usar a guia anônima, que evita o rastreamento;
  • Não clique em vídeos recomendados no YouTube: ao invés disso, procure conteúdos que você quer assistir. Isso te ajuda a não cair em um limbo de acesso aos mesmos conteúdos sempre - o que vicia e restringe sua opinião;
  • Siga pessoas que você não concorda: seguir pessoas que não têm o mesmo posicionamento que o seu é uma boa forma de mostrar ao algoritmo que você quer receber conteúdos variados e furar a bolha social;
  • Proteja seus filhos: imponha limites para o uso das redes sociais e celular e converse com as crianças sobre os perigos do mundo digital e da exposição de dados pessoais.

Proteja-se - pense nisso! Se tais ações não são executadas diretamente pelas empresas, que a postura ética possa partir de cada um de nós, não é?

Por fim, se você é um interessado e se preocupa com tais assuntos, recomendo também que assista ao documentário também exibido pela Netflix denominado “Privacidade Hackeada” e o filme “O círculo” estrelado por Emma Watson e Tom Hanks e eles te darão uma noção holística de tudo de positivo e negativo que a tecnologia pode trazer.

Afinal de contas, a tecnologia está aí e nos auxilia em todas as atividades de nossa vida. Precisamos ter consciência que ela deve ser uma ferramenta facilitadora da vida humana. Para isso é importante que façamos o uso correto e consciente das diversas facilidade possibilitadas por elas – acima de tudo de maneira ética.

** Tatiana Mazzei é Mestre em Ciências da Comunicação pela USP, publicitária e pesquisadora em disrupção e aplicação das TICs no processo de inovação de práticas e processos em comunicação mercadológica e Colunista líder do quadro Insights do canal e portal NomuseLocus.

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**O artigo não reflete, mecessariamente, a opinião do espaço nomsuelocus. As argumentações apresentadas são fruto do pensamento e da articulação e visão do autor. 

 

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Pesquisa Nº 1

QUESTAO:

“Você já enfrentou situações nas quais você não foi respeitado? Se positiva. O desrespeito é mais usual em que ambiente de seus relacionamentos cotidianos?”.


Resultado:

SIM – 100%


ONDE?

60% - Sociedade em geral

100% - Ambiente de Trabalho

80% - Nos espaços públicos

50% - Pelo Estado

30% - Nas instituições de ensino


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